Degradação ambiental seca nascentes e rios de Minas, amplia a estiagem e abate gado e lavoura

| 26 de Setembro de 2016 - 13:37





“Espero que Deus envie chuva para o rio voltar a correr”, suplicou Zacarias Machado, morador de Me Livre, comunidade rural em Montes Claros, no Norte de Minas, onde a água que havia na calha do Peixe deu lugar à poeira. A disponibilidade de água diminuiu no estado em decorrência do secamento de nascentes, reflexo da degradação ambiental. O fim desses “olhos d’água” afeta importantes bacias hidrográficas e alimenta a longa estiagem, que, por sua vez, queimou lavouras e fez gado definhar até tombar de vez.



A situação é desesperadora em muitos lugares, sobretudo nos rincões do estado onde famílias que captavam água diretamente em leitos agora são reféns de caminhão-pipa. Só no Norte de Minas mais de 500 cursos d’água secaram ou estão com a vazão mínima, conforme estudo assinado por Reinaldo Nunes de Oliveira, técnico da Emater-MG. Ele analisou 730 leitos na região: “Consequência do desmatamento e assoreamento”.



Em coro ao alerta dele, a professora Maria das Dores Magalhães Veloso, doutora em ciências florestais e que leciona na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), defende estudos e intervenções urgentes. Ela estuda o assunto há oito anos: “Ocorre a antropização. O homem ocupa o espaço que era das plantas. O solo fica descoberto e, quando chove, a camada superficial é carreada para partes baixas, o que causa assoreamento e entope nascentes”.

Ela cita pesquisa recente na região do Parque Estadual da Serra do Cabral, entre os municípios de Buenópolis, Joaquim Felício e Francisco Dumont, onde 17 nascentes desapareceram ou ficaram comprometidas. “Houve várias queimadas. Também há o pisoteio do gado. É preciso estudos para verificar como deve ser feito o desassoreamento e analisar o estado pontual de cada nascente.”



A degradação ambiental e a estiagem não pouparam nem a região onde brota o São Francisco, o maior rio exclusivamente brasileiro, com 2,8 mil quilômetros de extensão. Em Medeiros, na Serra da Canastra, pelo menos 20 nascentes secaram. Alceu Carneiro, assessor da prefeitura, alerta que a do Rio Samburá, considerada por muita gente como a “nascente geográfica” do Velho Chico, continua abastecendo o leito, mas num volume inferior ao de alguns anos.



RECUO



A seca de nascentes, a estiagem e a degradação ambiental afetaram bacias importantes. Relatório da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, revelou que 25 das 35 estações fluviométricas medidas pela regional de Belo Horizonte, em agosto, estão com vazão média abaixo dos indicadores usados pelo estado ou União quando o assunto é a oferta de água.

O estado, por exemplo, considera o chamado Q 7,10, que calcula o índice mais baixo repetido por sete dias consecutivos nos últimos 10 anos. Em Santo Hipólito, a estação do Velhas mostra que a vazão é de 31,9 metros cúbicos por segundo, abaixo dos 45,5 considerados pelo Q 7,10. “O Velhas está numa situação que a gente considera ainda não crítica, mas extremamente preocupante. No alto do rio, a vazão é de 10 metros cúbicos por segundo, sendo que a Copasa retira 6,5 para o abastecimento de BH. De forma geral, o rio está com vazão abaixo da média histórica, de 15 a 16 metros cúbicos de água na região metropolitana”, lamentou Marcus Vinícius Polignano, presidente do Comitê da Bacia do Velhas.



Já o indicador usado pela União para a oferta de água é o Q 95%, o qual indica que as vazões são maiores ou iguais a ela durante 95% do tempo. Em Pirapora, a vazão do São Francisco é de 334 metros cúbicos por segundo, abaixo do Q 95% (426 metros cúbicos por segundo). Um dos afluentes do Velho Chico é o Pará, que corta Conceição do Pará e onde o pescador Valter Pereira, de 61 anos, lamenta o baixo volume do leito.



“A chuva na região, tradicionalmente, começa em setembro. Já estamos no fim do mês e São Pedro não abriu a torneira. Há alguns anos, havia cardumes de corvinas, curumatãs, piaus... Os rios têm de voltar a ser como antes”, desejou o homem, tal qual o mecânico Zacarias, lá de Me Livre.



 



Seca vira 'praga' em Minas



A seca avança em Minas como uma praga. A Defesa Civil estadual revelou que o número de municípios que decretaram situação de emergência, condição que permite às prefeituras dispensar licitação para contratar serviços e produtos em socorro às vítimas da seca, subiu 56% no confronto entre 2010 e 2015. “De 111 cidades para 174”, comparou o tenente Júnior Silvano Alves, diretor-técnico do órgão.



Tudo indica que o balanço de 2016 será maior do que o do acumulado do ano passado, pois, de 1º de janeiro a sexta-feira passada, 160 prefeituras já decretaram situação de emergência. A estiagem ampliou o polígono da seca e atingiu lugares considerados celeiros de Minas, como Unaí, no Noroeste, onde há grandes lavouras de feijão e milho.



A escassez da chuva aumenta o custo da produção e faz muita gente, como dona Zélia, apelar para o Divino. “Está difícil aguentar o calor”, reclamou a mulher, na quinta-feira, quando molhou o pé do cruzeiro na companhia de vizinhos. “Vai funcionar. Santa Madalena vai nos atender”, disse a mulher, esperançosa.



O meteorologista Ruibran dos Reis ajuda a explicar parte da angústia da moradora de Brumado. Tanto a média da temperatura mínima quanto a da máxima subiram três graus centígrados no estado em cinco décadas. “A média da mínima passou de 11 graus na década de 1960 para 14 graus nesta. Já a da máxima, no mesmo intervalo, avançou de 34 graus para 37”, informou o especialista do Climatempo.



Ele atribuiu os aumentos a fatores como o aquecimento global e a urbanização. Em decorrência disso, as chuvas ficaram mais escassas. “Nos últimos cinco anos, a média foi 30% a 40% menor.” A escassez de chuva reflete nos cursos d’água que cortam o estado. E faz o pescador Neilton Carlos de Oliveira, de 50, torcer o nariz quando conta que está cada vez mais difícil fisgar peixes no Rio Pará, afluente do Velho Chico.



 



FONTE: JORNAL ESTADO DE MINAS – segunda-feira 26/09/2016



Luiz Ribeiro , Paulo Henrique Lobato /Enviado Especial